quinta-feira, 27 de outubro de 2005

Generation Gap

O receio da personalização é típico de uma geração que não cresceu embebida no Digital. Temos medo que saibam tudo sobre nós. A "geração digital", pelo contrário, passa completamente ao lado desta fobia.
A história é do visionário Philip K. Dick, mas a visão cinemográfica é do "mestre" Spielberg. Provavelmente, você faz parte de um dos muitos milhões de pessoas que acompanharam a aventura do detective John Anderton num mundo futurista (Washington, ano 2054), onde os carros andam nas paredes e a polícia prende os criminosos antes de estes cometerem o crime, propriamente dito.
Falo de Minority Report, um dos filmes que marcou 2002. Não por ser um excelente representante do género, mas por juntar a dupla "Cruise-Spielberg", dois nomes que garantem sempre um bom filme.Um dos pormenores futuristas que mais intrigou quem viu o filme foi, para além do óbvio sistema de pré-crime, a forma como o corpo humano era utilizado para identificar a pessoa. Basta relembrar as famosas cenas em que os anúncios na parede falam com Cruise ou a forma como um holograma o recebe numa loja de roupa e o trata na primeira pessoa, lembrando-lhe os produtos que tinha adquirido a última vez que ali tinha estado.
A confusão que este sistema fez às pessoas é exactamente o mesmo com o qual nos confrontamos actualmente. As gerações mais velhas, e a minha, temem a personalização. Não gostamos que as pessoas saibam muito pormenores sobre nós. Por isso, achamos tudo uma intrusão da privacidade. Somos aversivos à publicidade direccionada. Não queremos, por exemplo, que no hipermercado saibam que gostamos mais da marca A de iogurtes do que da B. Porque se a A sabe vai começar a fazer campanhas específicas para nós e isso é tudo o que não queremos.
Não suportamos que o Estado comece a informatizar tudo e coloque todos os nossos dados num único cartão. É muito poder junto. Todo o nosso historial clínico, a situação fiscal, os bens que temos... não queremos que essa informação tão "preciosa" esteja toda num único local.
Achamos uma loucura quando ouvimos nas notícias que alguém colocou um chip no braço e que agora entra na discoteca e consome sem ter de mostrar um único cartão de crédito ou de identidade.
Para mim, e para os que são mais velhos do que eu, os dados pessoais são para controlarmos piamente. Só os damos em último caso ou quando lucramos automaticamente com esse facto.
Isto é algo completamente absurdo para a "geração digital". Perceba-se aqui "geração digital" como alguém que nasceu em 1990. Tem agora 15 anos. Desde que se conhece como pessoa que vai à Internet. Está habituado a ter a sua conta de e-mail, regista-se nos fóruns, faz compras on-line. Está habituado a entrar num site e ser tratado pelo primeiro nome. A Amazon, por exemplo, sabe que comprou os três últimos livros do Harry Potter, por isso, avisa-o que o próximo está quase a sair. Ele recebe a informação com agrado. Fica contente por ser tratado como "especial". Sim, porque ele é tão especial que os "tipos da Amazon" até já sabem os seus gostos de leitura.
Passa os dias nos programas de partilha de ficheiros. Está habituado a trocar dados com pessoas que não conhece fisicamente. No entanto, confia na "imagem digital" que criou na mente. Essas relações digitais são tão naturais e recorrentes no seu quotidiano como são as saídas com amigos. Está habituado a que a escola publique as suas notas on-line. Não se importa que no consultório médico saibam todas e quaisquer doenças que já teve a partir do momento em que o seu número de utente é inserido no sistema.
Adere facilmente a cartões de lojas, bancos ou outros serviços. E não se importa que estes cruzem dados entre si. Está perfeitamente habituado a receber centenas de e-mails por dia, todos direccionados a si. A personalização, para ele, é tão natural, que nem faz sentido pensar na situação contrária.
Para a "geração digital" o filme Minority Report é a constatação da realidade que está aí "ao virar da esquina". Poderão ter achado engraçado o processo de reconhecimento pessoal, mas não o consideram intrusivo. Para mim, para nós, é quase um filme de terror. No entanto, à medida que também nós vamos envelhecendo no "mundo digital", vamos ganhando consciência que não há nada a temer na personalização. Desde que, a possamos controlar minimamente, claro! Não queremos que o vizinho do lado saiba tudo sobre nós...

Pedro Miguel Oliveira
Director
Exame Informática

Artigo publicado com permissão do autor.

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